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Lula, gato escaldado. 

01 de dezembro de 2023. 

Reclama-se que Lula dê preferência aos advogados que lhe prestaram serviços e aos mais leais escudeiros, quando indica componentes para o Supremo Tribunal Federal. Mas, não se poderia esperar outro comportamento de quem, ao adotar um critério diferente, o da diversidade, encarou Joaquim Barbosa. Lembram? Lula obedece os ditos populares: “Seguro morreu de velho”, e “Gato escaldado tem medo de água fria”. 

Joaquim Barbosa foi escolhido por Lula e se tornou estrela de primeira grandeza quando Roberto Jefferson derrubou a porta do Palácio do Planalto e jogou alguns velhos companheiros pela janela. Lula quase foi. Por um fio, Lula sobreviveu. O histrionismo de Joaquim Barbosa levantou a nação brasileira e ela empurrou as decisões de todos os demais ministros da corte. De quase todos. Quem ousou argumentar contra as teses meio doidas de Joaquim Barbosa, apanhou do povo. Joaquim Barbosa foi o Zorro. Gilmar Mendes, o Capitão Garcia.  

Mas, se não bastasse ao Lula a figura do Joaquim Barbosa, ele tem o exemplo do antecessor Jair Bolsonaro, que indicou dois ministros para compor o Supremo Tribunal Federal e o resultado está posto. Os dois nem parece que foram indicados por ele.  

Lula aprendeu. Ele sabe que na Constituição Brasileira ( artigo primeiro, parágrafo único), todo o poder emana do povo e por ele é exercido diretamente ou por intermédio de seus representantes, para os agentes isso se dá de modo diferente. Para eles, todo o poder emana do Supremo Tribunal Federal e é, pelos ministros, exercido diretamente, sem representantes. Lula tem consciência disso e não precisa que os ministros Barroso e Gilmar fiquem repetindo isso como uma ladainha. 

O tempo passou e Joaquim Barbosa converteu-se à seita do Lula. Uma conversão tardia, que Lula desprezou por ser totalmente inútil. Lula tem noção de utilidade. Sabe como usar as pessoas em seu próprio benefício. E como sabe…

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Será Javier ou Massa?Jair ou Lula? 

19 de novembro de 2023. Dia de eleição na Argentina. 

Hoje decide-se quem será o vencedor na disputa pela presidência da Argentina, Javier ou Massa e saberemos se aqui no Brasil Bolsonaro venceu Lula ou se Lula venceu Bolsonaro, uma vez que por aqui, no céu, na terra, no alto do mar, nos tribunais, nas igrejas e em todo canto, no inferno, inclusive, o mundo está resumido à saga dos dois. 

Torço por Javier. “Abrir-se com alguém, isto sim é coisa de louco”. Pirandello. 

Na Argentina, haverá críticas aos eleitores do candidato que vencer, assim como aos eleitores do candidato derrotado. Mas, é difícil, bem difícil mesmo, ser eleitor, porque para escolher um entre dois ou mais candidatos, os eleitores precisam ter tempo e liberdade para trabalhar as informações que recebem e criar uma relação de confiança com quem fornece as informações. Nesse ponto, as campanhas na Argentina cumpriram a tarefa. 

Seja Javier, seja Massa, a campanha na Argentina ampliou a dificuldade de escolha para os eleitores com a entrada da Inteligência Artificial, utilizada com criatividade cruel, tanto por Javier como por Sérgio. Mas, ninguém tentou fazer o trabalho do eleitor, impedindo o uso da ferramenta. 

Para Pirandello, “Assim é se lhe parece”, não existe verdade, mas pontos de vista e faz parte da indumentária humana o uso de diversas máscaras, cada uma para uma ocasião precisa. As campanhas eleitorais são assim, por definição. Elas são exercícios de magia. 

Os mágicos trabalham com técnicas teatrais, manuais e de psicologia para fazerem com que o público só veja o que lhes interessa mostrar. É trabalho dos mágicos entregarem um monte de informações ao mesmo tempo, para dar destaque exclusivamente às que precisam para obter sucesso. Os mágicos manipulam a percepção, assim como fazem os candidatos e seus ajudantes. 

Então, há um meio para facilitar a vida do eleitor de tal modo que ele tenha menos chances de errar ao escolher em quem votar? Há quem possa selecionar as informações para que os eleitores tenham acesso, exclusivamente, às confiáveis? Tem gente que acredita ter esse dom. Mas, é democrático decidir pelos eleitores quanto às informações que eles precisam ter para decidir? A imprensa? Evidente que não. Ela tem lado. Tem algum mal nisso? Não vejo. E se tiver, para isso não existe conserto.  

O jeito certo de ajudar o eleitor a decidir melhor é dar liberdade às campanhas, para chamar ao jogo outro mágico que denuncie os truques do concorrente, fato que no campo da comunicação tem nome: contraditório e contraponto. Os candidatos e seus adversários devem ter liberdade para oferecerem aos eleitores as informações que desejarem, deixando com o juízo do eleitor a decisão sobre quais usar e como usá-las no processo de decisão. 

Quando não há liberdade para as campanhas, mesmo com o uso da lei ou da Justiça com a lei e, por vezes até sem ela, como se faz por aqui com algo que apelidaram de fake news, o eleitor é tutelado, é castrado naquilo que o diferencia dos animais: a capacidade de decidir por si próprio com liberdade para formular as decisões que toma e acertar e errar por si mesmo. Ora, por que razão o exercício do voto está limitado às idades onde se pode pensar por si mesmo? Exatamente, para que a decisão seja consciente e não tutelada. 

Por isso, sou um eleitor inconformado com o tipo de campanha eleitoral que se tem no Brasil, onde quase todo tipo de exposição é proibido e a exposição autorizada é imbecil. Assisti muitas peças da campanha na Argentina, inclusive as que usaram a  Inteligência Artificial. Os candidatos que disputaram a eleição tiveram liberdade para expor suas qualidades e até para inventá-las como tiveram para expor os defeitos de seus adversários e até para criá-los. Por aqui, alguém, certamente, com a lei e com a Justiça que temos, iria censurar as peças e os veículos por onde elas seriam veiculadas. A Inteligência Artificial seria algo abominável, com certeza. A turma do Tribunal Eleitoral ficaria com medo de ser enganada. 

Como eleitor, desejo ter acesso às informações e resolver por mim mesmo a quais devo dar crédito, para depois de confrontá-las decidir a quem devo dar o meu voto ou se não devo escolher um entre todos. É esse o preço da democracia, que fugimos para não pagar. 

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O MOVIMENTO “MSB”. 

14.11.2023. 

Eita! Vejam só a notícia publicada na primeira página do jornal Estado de São Paulo, no domingo: 

“Na elite da era espacial, a Índia, país das startups, sofre com falta de banheiros. Parte da população de 1,4 bilhão de pessoas no país das startups faz suas necessidades a céu aberto. O pouso na face oculta da Lua, realizado em agosto pela missão Chandrayaan-3, colocou a Índia na elite da corrida espacial e a inseriu num mercado que deve movimentar US$1 trilhão em 2040. Mas, no país de 1,4 bilhão de habitantes, que tem 90 mil startups e mais de 100 empresas unicórnio – aquelas avaliadas em mais de US$ 1 bilhão antes de abrir capital em bolsas de valores -, grande parte das pessoas mora em favelas, não têm acesso a banheiros e faz suas necessidades a céu aberto, informa o enviado especial Felipe Frazão. Em 2014, o governo lançou um plano para erradicar a prática, mas ela não foi extinta. Nas cidades de Agra, Nova Délhi, Faridabad e Hyderabad, o Estadão viu fezes humanas em calçadas e testemunhou pessoas urinando na beira da estrada.” 

Há, na Índia, de fato, 1 bilhão e 400 milhões de habitantes e 20 línguas diferentes. Novecentos milhões são eleitores e usam urnas eletrônicas com emissão de comprovante de voto. Um traço feito num dos dedos dos eleitores, com uma tinta que não se consegue tirar antes de 30 dias,  impede que eles votem mais de uma vez. E tem mais, para o exercício da soberania popular: a Comissão Eleitoral garante a existência de urnas eletrônicas a uma distância de pelo menos 2 quilômetros de cada comunidade, obrigação que implica o uso de uma logística dificílima, que envolve camelos, jumentos e escaladores de montanhas, mas que mesmo assim é rigorosamente observada.  

A democracia é, portanto, o regime vigente sustentado por um sistema parlamentarista bicameral. O povo escolhe pelo voto direto os membros das duas câmaras e parlamentares regionais, que juntos decidem quem preside o país. Na eleição de 2020 foi eleita uma mulher, Draupadi Murmu, a primeira oriunda de uma comunidade tribal. 

Então, está certo o autor da matéria. A população local prefere ir à Lua a ter banheiros e dá aos governos a obrigação de construir banheiros.  

Em 2014, diz a matéria, o governo instalou 100 milhões de banheiros para beneficiar 600 milhões de pessoas. Um banheiro para cada seis seres humanos. Tem-se, então, que para atender com banheiros os 157 milhões de habitantes, que cagam e urinam nas ruas e estradas, serão necessários pelo menos mais 26 milhões de banheiros. Ocorre que na Índia nascem, por ano, 23 milhões de pessoas, dado que exigirá do governo a construção de pelo menos 3.800.000 banheiros a cada ano. Na rotina dos gestores públicos brasileiros, mais de 3 milhões, quase 4, de oportunidades para inaugurações com corte de fitas. 

O Partido dos Trabalhadores teria lá um campo fértil para atuação, sendo oposição ou sendo governo. Como oposição poderia estimular a criação do MSB, Movimento dos Sem Banheiros. Se governo, teria a chance de criar o “Meu Banheiro, Minha Vida” e uma campanha publicitária: “Cagar e mijar com dignidade”, slogan em cores vermelhas e exibido numa bandeira com o número 13 estampado no centro. 

Deixo aqui a contribuição para o povo indiano. 

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Adélio e Ronnie Lessa. A lei da compensação. 

29.10.2023. 

Só recentemente assisti ao documentário “Lei da Selva – A História do Jogo do Bicho”, obra da Globoplay, que estreou há mais de um ano, no dia 29 de abril de 2022, quando se deu a largada na disputa pela Presidência da República. Os autores do trabalho levam os espectadores para um ambiente onde estão ligados o jogo do bicho, as milícias, o ex-presidente Jair Bolsonaro, o filho dele, Flávio e o assassinato da vereadora Marielle Franco. Só no final, fica-se sabendo que o documentário representa uma homenagem à vereadora.  A percepção é de ser um documentário propositadamente exibido no tempo da campanha presidencial para influenciar o resultado. 

Desconheço se naquele momento a Justiça Eleitoral foi provocada para impedir a veiculação do documentário, mas se foi e decidiu deixar correr, fez bem, pois observou o que diz a Constituição Brasileira, que registra, expressamente: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. De modo diferente, no entanto, decidiu a Justiça Eleitoral, quando o canal Brasil Paralelo anunciou o documentário, “Quem mandou matar Jair Bolsonaro”. O TSE proibiu a exibição até a proclamação do resultado da eleição e puniu o canal com a suspensão do fluxo financeiro que o mantém de pé. É dispensável dizer mais qualquer coisa para entender as frases polêmicas, “perdeu mané” e “vencemos o Bolsonarismo”.  

“Lei da Selva – A História do Jogo do Bicho” dá sentido às tormentas do povo carioca com as milícias. Nele se vê materializada a coragem de uma mulher que não mediu riscos para interromper a valsa livre nos salões da elite carioca da turma que comanda o jogo do bicho. A sentença de Denise Frossard sacudiu a hipocrisia da elite e da classe política carioca, mas não deu jeito nela. Aí estão as milícias a frequentar os mesmos salões. O documentário não toca no tráfico de drogas. Sabe-se lá o motivo.

“Quem mandou matar Jair Bolsonaro” foi exibido após a proclamação do resultado da eleição para a Presidência da República, como desejou a Justiça Eleitoral. A dúvida sobre o mandante do assassinato do candidato à Presidência dá sentido ao documentário e faz o contraponto com outra interrogação: quem remunerou Ronnie Lessa, o matador de aluguel, para que ele assassinasse a vereadora? 

No fim das contas, os dois documentários se compensam e em conjunto explicam como funcionam no Brasil, a Justiça, os crimes e a investigação quando se misturam com a política. É a lei da compensação, que o povo brasileiro ainda não compreende como funciona.  O confuso escritor Ralph Waldo Emerson, pelo menos nisso mostrou convicção: “Tudo na vida e na natureza gira em torno da dualidade e se compensa”. Nada melhor do que isso para um povo que se sente bem num ambiente polarizado. 

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“A CASTA ESTÁ COM MEDO!”

22.10.2023. Jackson Vasconcelos 

Hoje tem eleição para presidente na Argentina. Três candidatos concorrem no primeiro turno, pois a legislação eleitoral de lá é mais inteligente que a nossa. Lá há prévias para que sejam expurgados os candidatos sem tamanho para a disputa. 

Pensa bem, gente, que maravilha será para a Argentina se a “casta política inútil e parasitária” do país estiver mesmo com medo do povo e, pelo medo, bater de vez em retirada, como proclama Javier Milei, candidato favorito à presidência da república. Pode ser que batam em retirada, afinal o presidente Alberto Fernández, a Vice, Cristina Kirchner e o ex-presidente Maurício Macri  desistiram de concorrer.

Pode ser também que a desistência seja uma estratégia que tenha como objetivo permitir que o povo coloque na presidência alguém que Fernández, Cristina e Macri julguem louco o suficiente para entornar o caldo de vez. Se isso acontecer, eles acreditam que o povo os  chamará de volta. A chance de sucesso do “pior” é o “pior ainda mais”. Os cariocas conhecem bem a estratégia, pois com ela Eduardo Paes construiu o retorno à prefeitura do Rio. 

Contudo, é possível que Fernández, Cristina e Macri estejam errados. Afinal, não se pode tomar um louco só pela cabeleira. Tudo indica que Javier Milei encontrou o discurso para vencer: devolver o Estado ao povo, decisão que ele sintetiza no grito de guerra: “Libertad!” O grito deu nome ao partido, “La Libertad Avanza”, que Javier precisou criar, por não contar com os existentes. Fez o que, por aqui, fizeram Brizola, Lula, Fernando Henrique, Marina Silva e outros. 

Javier faz uma campanha que tem estratégia. A campanha para deputado federal criou os instrumentos com os quais Javier e a equipe dele abriram caminho para a presidência. Tudo na campanha partiu do discurso inicial: 

  1. Slogan e grito de guerra, 
  2. A escolha do símbolo (Leão), que aproveita a cabeleira do candidato: “Eu não entrei nisso para pastorear cordeiros. Eu entrei nisso para despertar leões”. 
  3. Posicionamento: “E quando trouxermos os ideais de liberdade, o que o establishment nos dirá? O que os políticos nos dirão? O que os empresários gananciosos dirão? Que isso não é possível. Para o inferno o “não é possível”. 

Certamente, Javier vencerá a eleição. Mas, para despedir de vez os políticos que ele derrotará, Javier Milei terá a necessidade de dialogar com as forças políticas que ele execrou na campanha e contar plenamente com o apoio e pressões dos eleitores que lhe darão o mandato. Ele não poderá desperdiçar um dos apoios sequer, que recebeu para vencer. 

O ex-presidente Jair Bolsonaro declarou apoio a Javier Milei e pode ser-lhe útil, não só pelo que fez, mas pelo que deixou de fazer e pelas lições que recebeu daquilo que fez atabalhoadamente, sem estratégia, com ódio e demonstração de apoio ao fanatismo, exatamente, faz o presidente Lula no momento. 

Na palestra que fez no dia seguinte aos atos terroristas acontecidos em Paris no ano de 2015, o escritor Amós Oz, comentando sobre o fanatismo, afirmou. “Ideias ruins têm de ser superadas por ideais melhores…Afinal não se pode bater numa ferida que sangra para fazê-la parar de sangrar ou para fazê-la deixar de ser uma ferida…”. Lula e Bolsonaro batem nas nossas feridas sem dó nem piedade. E por isso, uma parte de nós odeia um e a outra parte odeia o outro. 

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A CASA NÃO É MAIS DO POVO.  

21.10.2023. 

Sem exagero algum, afirmo a vocês que nunca se viu um Congresso Nacional com tantos fanáticos de uma vez só. Lá,sempre houve gente folclórica, mentes brilhantes e mentes estúpidas – nenhum bobo. Dos fanáticos, não me lembro. Se existiram antes desses tempos áridos, não tinham importância. 

O que é, afinal, um fanático? Vou ao escritor Amós Oz, meu compromisso de leitura desde o dia em que tomei conhecimento da invasão de Israel pelos terroristas do Hamas. Amós ainda é uma falha do The Nobel Prize. Ele merece o prêmio, por ser um magnífico escritor. Os registros dizem que ele queria ter tido a honra. 

Amós Oz faleceu no dia 28 de dezembro de 2018, aos 79 anos, vítima de um câncer. No mesmo dia, Benjamin Netanyahu esteve no Brasil para a posse de Jair Bolsonaro, mas voltou às pressas para Israel antes da cerimônia. Um jornalista israelense comentou: “para o povo brasileiro, melhor seria conhecer Israel pela vida e letras de Amós Oz do que pelo que representa Netanyahu.” Também acho.  

Entre as obras de Amós Oz está “Como curar um fanático”, compêdio de três ensaios concisos: “Em louvor às penínsulas; Entre o certo e o certo e Como curar um fanático”. Separei alguns pontos, com uma vontade danada de compartilhar todos os livros escritos por ele. Ninguém, melhor do que ele, conhece os conflitos no Oriente Médio. Vamos a ele:  

  1. “Certamente não estou sugerindo que todo aquele que eleva a sua voz contra alguma coisa é um fanático. O sinal indicador do fanatismo não é o volume da sua voz, mas a atitude com as vozes dos outros”. 
  1. “Acredito que a síndrome de nossa época é a luta universal entre fanáticos, todos os tipos de fanáticos, e o resto de nós. Entre os que creem que seus fins justificam os meios, todos os meios, e o resto de nós que julga que a vida humana é um fim em si mesma”. 
  2. “Permitam-me sugerir que a curiosidade, juntamente com o humor, são dois antídotos de primeira linha ao fanatismo. Fanáticos não têm senso de humor, e raramente são curiosos, porque o humor corrói as bases do fanatismo, e a curiosidade agride o fanatismo ao trazer à baila o risco da aventura, questionando, e às vezes até descobrindo que suas próprias respostas estão erradas”. 
  3. “Muito constantemente, o fanático só sabe contar até um; dois é uma cifra grande demais para ele ou ela(…). Com mais frequência do que o contrário, o fanático é um grande altruísta: está mais interessado em você do que nele mesmo. Muitos fanáticos nem sequer têm self, ou qualquer vida privada, Eles são 100% públicos…”
  4. “O fanatismo muitas vezes origina-se na vontade imperiosa de modificar os outros pelo próprio bem deles”. 

“Oz é um raro sopro de sanidade e inteligência”, disse o “The Guardian”. No Congresso Nacional, me parece, nem sopro dessas características existe mais. Pena! 

É impossível não admitir que a Casa perdeu a essência, algo que fazia com que os embates verbais veementes e, por vezes até cruéis, acontecidos nos plenários se transformassem em apertos de mão, abraços e boas conversas nos corredores e na hora das composições, quando os holofotes e alto falantes estão desligados. 

A imagem que o Congresso Nacional tem oferecido ao mundo é de gente que quer ganhar o debate no grito, atropelando tudo e todos em nome das ideologias e da busca de notoriedade, cliques e flashes. A obrigação de representar quem não pode estar lá, parece-me, deixou de existir.  O Congresso que conheci antes destes tempos áridos era bem melhor, mais produtivo e agradável, até mesmo na ocasião em que os ditadores provocaram dores quase insuportáveis no grupo todo.   

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“Picadeiro de qualidade”

02.10.2023.

De novo? Novamente, o governo federal aparece com um programa para combater as organizações criminosas, o Enfoc, que prevê R$900 milhões em investimentos para atuação em cinco eixos principais: “integração institucional e informacional; eficiência dos órgãos policiais; portos, aeroportos, fronteiras e divisas; eficiência da Justiça Criminal e cooperação entre União, Estados, Municípios e órgãos estrangeiros.”  E há um tempo estabelecido para a apresentação das metas, investimentos e estratégias: 60 dias. Não pode ser algo sério. Por que não entregam o pacote completo? Porque pode ser que em 60 dias, a onda já tenha quebrado na praia e o governo dedique seu tempo a outros temas mais caros a ele, como acontece com a rotina de nomear e exonerar gente para a máquina pública. 

Tomei conhecimento do projeto ao ler ontem, domingo, o Estadão. O editor deu à notícia destaque na primeira página e pelo modo como construiu a manchete, ele também não acredita que o programa tenha algum resultado. Ele escreveu: “Pressionado, governo lança plano para tentar conter facções”. O “tentar” diz tudo sobre a esperança do editor no sucesso da proposta. O “pressionado”, mostra o modo como funciona um governo que não planeja. Ele não está sozinho. O histórico de programas e projetos que visam só tirar a União do tema não autoriza o crédito. 

O Ministro Super-Herói, Flávio, o Dino, para rebater as críticas que tem recebido afirmou que no pouco tempo em que está na equipe do Presidente Lula conseguiu reduzir as armas, desmontar o garimpo ilegal e tem dado apoio às vítimas de violência. Citou também a visita que fez a 21 estados para entregar equipamentos e liberar recursos para os governadores. Não dá para levar isso a sério! 

Bem que Deus avisou que a relação entre os agentes do Estado e a sociedade seria desse modo, mas ninguém quis ouvir. Disse Deus, quando respondeu ao desejo do povo de Israel de ter um rei: “Este será o costume do rei que houver de reinar sobre vós: (…). Ele tomará o melhor das vossas terras, e das vossas vinhas, e dos vossos olivais, e os dará aos seus servos. E as vossas sementes, e as vossas vinhas dizimará, para dar aos seus oficiais (…)”. Ao Estado tudo; à sociedade, a conta. 

Thomas Hobbes deu ao Estado a representação correta de um monstro marinho, o Leviatã,  que no livro de Jó está descrito com um alerta: “Eis que é vã a esperança de apanhá-lo; pois não será o homem derrubado só ao vê-lo? Ninguém é tão atrevido, que a despertá-lo se atreva…”(Jó 41: 9 e 10). Para Hobbes o Estado só tem uma finalidade, uma só: garantir a segurança de quem renunciou a muita coisa para poder dormir em paz. Quando o Estado não garante a Segurança Pública – diz Hobbes – ele rompe o contrato que tem com a sociedade que, então, fica liberada para não cumprir a parte que lhe cabe. Quem dera, pudéssemos agir assim. Por aqui, nem criticar se está mais autorizado. Confrontado, o agente do Estado responde: “Perdeu mané. Não amola!”. 

No Brasil, com relação à segurança vivemos no “Estado de Natureza”, definido por Hobbes, onde o desejo e a força são suficientes para a satisfação de todas as vontades dos indivíduos. Tempo vai, tempo vem, e ninguém na União move uma palha para, de verdade, melhorar a qualidade das polícias, das investigações e desarmar os criminosos. 

O lançamento do programa ENFOC será só mais um dia de espetáculo no picadeiro montado em Brasília, pois a União foge às léguas da obrigação que deveria ter. Flávio, o Dino, deixou claro: “O governo não concorda com teses absurdas que propõem a federalização da segurança pública em todo o país”. Para a União quase todos os crimes são estaduais. Federais são somente aqueles ainda não tipificados pela lei, chamados de atos golpistas e antidemocráticos. 

Flávio, o Dino, encerrou a entrevista na CNN Brasil com uma pérola: “Para melhor aquilatar o que isso significa, sugiro comparar com outros momentos do Ministério da Justiça, onde criminosos lá habitavam ou eram lá protegidos…”. Desnecessário comentar.  

A União abriga malabaristas, engolidores de fogo, palhaços e trapezistas. Por isso, defendo que “O Circo”, uma das belezas compostas por Nara Leão, seja o nosso Hino Nacional. Faz mais sentido, no momento, que o louvor à liberdade composto por Duque Estrada.  

Enfim, sigamos.  

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UM GENERAL PARA CHAMAR DE SEU. 

27 de setembro de 2023. .

Ontem foi dia de ouvir o General Heleno, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, quando Jair Bolsonaro foi presidente. Bem antes, no dia 31 de agosto, lá compareceu o General Gonçalves Dias, na intimidade, G.Dias, também ex-ministro-chefe do Gabinete Institucional da Presidência da República, nos governos do Presidente Lula. Heleno deixou o cargo quando Bolsonaro saiu da Presidência. G. Dias foi exonerado por ter sido flagrado estimulando a baderna. 

Divididos nas sessões da CPMI-8, os exércitos de ambos cumpriram o papel que lhes cabia de elogiar o general companheiro e esculhambar o general adversário. Em meio aos elogios e acusações, foram citados outros generais, coronéis e militares de outras patentes.  Alguns deles também chamados para prestar esclarecimentos aos enraivecidos torcedores de um lado e de outro. 

Enquanto assistia o depoimento do General Heleno, ainda tendo na lembrança a apresentação do General G. Dias, recorri a um livro – um bom trabalho – publicado pela editora Mauad em 2007: “O Uso Político das Forças Armadas e outras questões militares”. O livro me foi presenteado pelo autor, João Rodrigues Arruda, professor e promotor da Justiça Militar. O Dr. João foi-me apresentado pelo jornalista Maurício Dias, um grande amigo. 

O Dr. João faleceu poucos anos depois da publicação do livro, que recebi autografado por ele com um alerta: “Dê atenção especial, meu caro, ao capítulo sobre o “Tribunal Penal Internacional (Os réus assinalados)”. Com disciplina atendi. No capítulo, o Dr. João, com mais vigor do que no resto do trabalho, defende a existência da Justiça Militar, naquele tempo, contestada por ministros do STF, um deles, o decano Celso de Mello. O Dr. João não está mais por aqui, tempo em que o Tribunal Penal Internacional voltou a ter existência na mídia local e os ministros do STF…bem, deixa pra lá. 

Brilhante, Dr. João navegou por várias searas e ao fazer isso levantou questões que se ajustam como uma luva de tamanho certo às cenas oferecidas ao público pela CPMI-8, no momento das oitivas dos generais. Cabe lembrar que os dois compareceram como testemunhas, sabe lá exatamente de quê. Mas, certamente, testemunharam o resultado da falta de atenção deles com as recomendações do Dr. João, para que ficassem fora da política. Ele que abre a obra com a “Ciranda das Vivandeiras”, inspirado em Karl von Clausewitz: 

“Certamente Clausewitz, apesar de ter vivido numa época em que as guerras ainda não tinham o caráter nacional, ao escrever “Vom Kriege”, no século XIX e sob o impacto das guerras napoleônicas, interpretou a política nacional como os interesses de um estado em relação a outros estados soberanos(…). “Não imaginava Clausewitz que, nas longínquas terras brasileiras, a gente da guerra seria também utilizada no âmbito interno para atender a interesses políticos partidários e de oligarquias, manipulada pela astúcia das elites”. O Dr. João encerra o primeira página do seguinte modo: 

“Para os políticos nenhuma consequência, mas para os militares, que se deixaram ingenuamente seduzir e foram manipulados por políticos, as consequências foram danosas(…). Com os que os manipulam nada aconteceu”. 

Poderia eu parar o texto por aqui. Contudo, com segunda intenção, cito o capítulo em que o Dr. João descreveu a “Guerra na Rocinha”. Afinal, sou parte do povo de uma cidade que já assistiu vezes sem conta, o desmoronamento da imagem das Forças Armadas, por terem os generais atendido à convocação dos presidentes para resolver um problema que parece insolúvel pela qualidade das políticas aplicadas à Segurança Pública:  o crime nas ruas. 

A “Guerra na Rocinha”, citada pelo Dr. João, aconteceu na Semana Santa de 2004. Naquele ano, Lula estava na Presidência da República, a senhora Rosinha Garotinho estava no governo, Anthony Garotinho, na Secretaria de Segurança e o General Jorge Félix, no gabinete que depois foi ocupado pelos colegas G. Dias e Heleno. Denise Frossard preparava-se para a disputa pelo governo do estado, eleição que Sérgio Cabral venceu com a ajuda do político Eduardo Paes, senhor de todas as próprias conveniências. 

Em fevereiro de 2016, ainda como consequência da decisão dos eleitores na eleição de dez anos antes, o Presidente Michel Temer determinou que as Forças Armadas dessem um jeito na segurança do Rio de Janeiro. Não deram. 

Não direi sobre o livro para não fazer spoiler. Fiquem à vontade para conhecerem, por si mesmos, toda a obra. Mas, deixo como aperitivo o trecho relevante do capítulo “Guerra da Rocinha”: 

“(…) Em carta encaminhada ao Ministro da Justiça, Thomaz Bastos, o Secretário de Segurança, Anthony Garotinho definiu a ajuda que esperava do governo federal. Especificou, inclusive, o efetivo a ser empregado, que incluía duas brigadas estratégicas do Exército…”

Para quem desejar, o livro está à venda na Amazon. 

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Como fazer para ter mulheres na política? 

25.09.2023. 

A resposta parece algo a merecer estudos sociológicos, antropológicos, filosóficos e bem mais. Não é. Basta que os partidos respeitem o que está determinado no artigo 4o da Lei dos Partidos Políticos, promulgada no dia 19 de setembro de 1995 (9.096), portanto, há 28 anos, tempo suficiente para ser entendido com clareza, mesmo pelas pessoas de pouco entendimento. Lá diz: “Os filiados de um partido político têm iguais direitos e deveres”. Mas, a gente sabe que não têm, por uma série de subterfúgios utilizados pelos donos de fato dos partidos, em contraponto aos donos de direito, os filiados. 

Se deixarem as mulheres em pé de igualdade nas convenções partidárias, elas farão o que têm feito em outros campos da atividade humana: ocuparão os espaços sem precisar da caridade dos homens. 

Faz tempo, gente, que não se tem convenções democráticas seja para o que for e menos ainda para escolha dos candidatos que os partidos apresentam aos eleitores. Por isso, os legisladores ficaram livres para instituírem, como se fossem atos de caridade, o que chamam de cotas, uma discriminação velada. 

Pois que, com convenções democráticas, onde todos os filiados, sem discriminação seja pelo que for, teriam o mesmo direito de voltarem e serem votados, o comando dos partidos precisariam reverenciar os filiados para deles obterem o voto. A alternativa seria fecharem a porta de entrada dos partidos para quem desejasse filiação e não lesse na mesma cartilha contudo esse tipo de controle, já se sabe, nada garante quando o poder, seja onde for, esteja em disputa.  

Os partidos políticos são bancados pelo dinheiro dos contribuintes, portanto, nada de mais ou de menos seria exigir deles normas claras e transparentes para filiação, pois que quem paga a conta tem todo o direito de participar das decisões, eis aí uma diferença entre a ideologia reinante e a desejada se queremos ser, de verdade, uma democracia. 

Toda vez que me vejo obrigado a consultar a legislação que norteia os partidos políticos, tendo presente o fato de existir por aqui um tribunal com atribuição específica para cuidar do assunto, questiono a necessidade de cotas e de outras invenções legais que só servem a um propósito: manter o comando dos partidos nas mãos de gente que só usa o número de filiados como estatística. 

Eis uma prática que não precisa ser reformada, mas, simplesmente, cumprida, repito: “Os filiados de um partido político têm iguais direitos e deveres”. 

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PODER MÁSCULO! 

20.09.2023.

Um diálogo imaginado, mas que tem tudo para ser real. 

Homens: Quero que vocês participem das eleições. 

Mulheres: Obrigada! 

Homens: É nossa obrigação como homens.

Mulheres: Sim, sim! 

Homens: Então, cederemos a vocês 30% das vagas na relação de candidatos.

Mulheres: Puxa, que legal! Obrigada, de novo. Mas, perdão, pode ser que os partidos não cumpram.

Homens: Nada disso. Vamos ser duríssimos com os partidos. Se não cumprirem, metemos multas pesadas e outras penalidades. 

Mulheres: Mas, vocês sabem né, campanha se faz com dinheiro.

Homens: Claro! Vocês acham que não pensamos nisso? A Justiça Eleitoral determinou a destinação de 30% do Fundo Eleitoral para vocês e nós não recorremos. E tem mais. Cedemos 5% para vocês terem programas para estimular as mulheres a participarem. 

Mulheres: Puxa, que legal! Vocês têm bom coração! 

Homens: É nossa obrigação. 

O tempo passou, chegou o tempo das campanhas e os partidos não cumpriram o combinado. 

Mulheres: Vocês nos prometeram penas severas para quem não cumprisse a destinação das vagas de candidatos e do dinheiro. Como será agora? 

Homens: Bem, pensando, bem…Vamos dar um jeito. 

O tempo passa e começa a se aproximar o momento da próxima eleição. 

Homens: Ei, mulheres. A gente ia jogar duro com os partidos, mas pensando bem, isso seria penalizar vocês também…

Mulheres: Como assim? 

Homens: O dinheiro das multas seria tirado do Fundo Partidário que é um dinheiro de todos, inclusive de vocês…

Mulheres: Então, ficamos no prejuízo? 

Homens: De jeito nenhum. Vocês acham que a gente iria permitir isso? Temos uma surpresa para vocês.Agora, a gente vai destinar 15% das vagas para vocês.

Mulheres: Mas, a gente já tinha 30%. 

Homens: Vocês não estão entendendo. Os 30% eram de vagas na lista de candidatos. Os 15% dizem respeito às cadeiras, nas Câmaras Municipais, nas Assembléias Legislativas e no Congresso Nacional. Olha que maravilha! 

Mulheres: Pensando bem, queremos 53% das vagas. 

Homens: Isso é loucura! 

Mulheres: É não. Afinal, nós, mulheres, somos 53% do colégio eleitoral.

Homens: Sim, mas vamos devagar. Essa coisa de política, minhas caras, é um troço difícil. 

Mulheres: Estamos vendo.